quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Valores morais

O pensamento filosófico de Nietzsche pode ser comparado a uma espécie de sensor que registra e antecipa questões e desafios de nosso século. Sua ambição é realizar um diagnóstico fiel da situação do homem moderno. Para ele, não resta dúvida de que, herdeiro dos progressos do Iluminismo, julgamo-nos liberados das cadeias da ignorância e da superstição. Confiantes nas possibilidades advindas da utilização industrial da ciência e da técnica, estamos certos de poder descobrir todos os segredos do universo e construir uma sociedade expurgada de todas as formas de opressão, violência, exploração. Afinal, somos devotos do deus Logos*, confiantes em sua onipotência.

Nietzsche, porém, meditou sobre o lado obscuro, as conseqüências que poderiam resultar do otimismo desenfreado embutido nessa convicção. Esse otimismo representa, para ele, a face resplandecente de um avesso sombrio: o mesmo progresso conduz inexoravelmente à exaustão dos valores herdados da tradição, à sua impossibilidade de dar sustentação a futuros projetos viáveis, no campo quer do conhecimento, quer da ética, quer da política.

Nietzsche se encontrava no limiar de uma experiência do mundo em que, como conseqüência dos progressos do conhecimento, noções como Verdade, Falsidade, Justiça, Bem, Mal, Virtude tinham sido relativizadas, não podendo mais responder a nossa eterna pergunta pelo sentido da existência. Para ele, não cabia ao filosofo justificar ou condenar esse estado de coisas, mas constatá-lo; essa constatação seria, então, o único caminho que permite vislumbrar uma saída. Toda tentativa de negar essa condição representa não apenas uma desonestidade intelectual e moral, mas sobre tudo o risco da catástrofe; ou seja, a possibilidade de que o esvaziamento de valores autênticos nos conduza de volta à barbárie, à destruição daquilo que de mais precioso a humanidade conquistou ao longo da história: a dignidade da pessoa humana.

Por essa razão, Nietzsche dedicou sua vida a realizar três tarefas principais: compreender a lógica desse movimento contraditório ao longo do qual o progresso do conhecimento leva à perda de consistência dos valores absolutos; a partir daí, denunciar todas as formas de mistificação pelas quais o homem moderno oblitera sua visão dos perigos de sua condição; por fim, destruídos os falsos ídolos - e esses são os valores mais venerados pelo homem moderno -, assumir corajosamente o risco de pensar novos valores, abrir novos horizontes para experiência humana na história.

* Logos: palavra grega que significa “palavra”, “discurso” e “razão”; termo que dá origem à palavra “lógica” e que, em sentido amplo, é equivalente a “racionalidade”.

Fonte: Folha Explica

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